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Minha Mãe, Minha Missionária. Posso Falar Dela, Mas Não Para Ela


Como falar de mãe?

Não sei como descrever minha mãe. Tudo o que eu puder falar a respeito dela, será apenas resumo. Não posso dizer nada a minha mãe hoje, pois não está mais conosco. Posso falar dela, mas não para ela.

Minha mãe… irmã Irene… minha mãezinha… impossível escrever dissociado dos sentimentos.

Minha mãe foi uma grande amiga. Guerreira. Missionária. Nunca recebeu um credencial de missionária, mas cumpriu sua missão em todos os sentidos: como esposa, mãe e serva de Deus. Sua missão foi cumprida em Goiás, minha terra natal, e também no Amazonas, terra natal do meu pai.

Em Goiás

Bem-aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.

Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria; cujas folhas não caem, e tudo quanto fizer prosperará…

Minha mãe lia o texto sagrado diariamente, e aos seus pés eu escutava. Aos 7 anos, eu conseguia ler textos pequenos, e minha mãe escrevia versículos bíblicos em pedacinhos de papel, juntando todos e formando uma pequena Bíblia com versículos selecionados.

Estava sempre nos cultos da igreja, no círculo de oração, no conjunto musical das senhoras e nas visitas aos lares. Enquanto meu pai corria em busca do nosso sustento, lá estava a irmã Irene e seus três filhos, visitando lares de novos convertidos, ou irmãos enfermos que recebiam a oração da fé, e em outros lares demônios eram expulsos. Sim, repito, minha mãe realizou as obras de uma missionária, e jamais deixou pendências em casa. Quando meu pai chegava ao anoitecer, encontrava tudo em perfeita ordem.

Indo ao Amazonas

Nossa ida ao Amazonas foi necessária. Um novo emprego esperava meu pai. Ali aconteceu a primeira separação, geográfica.



Minha mãe chorava, lendo a carta do vovô Mário: “se eu tivesse asas, voaria até aí, onde vocês estão”. As cartas demoravam aproximadamente 30 dias para estar em mãos. As ligações telefônicas eram feitas utilizando o antigo orelhão.

O choro foi maior após dois anos (dezembro de 1995), ao receber a notícia do falecimento do vovô Mário. Só então entendeu o porquê do choro quando entoava o hino 247 da Harpa Cristã: 

“Ao voltar Jesus vamos nós estar, livres de qualquer separação; 

U'a coroa, então, vamos, sim, formar, lá no céu, na eternal mansão”. 

Por essa letra, Deus a fazia entender que haveria a segunda separação. Quem sofreu a perda de alguém que ama, conhece essa dor, explicada apenas pela experiência, jamais em palavras.

Certa vez, minha mãe ensaiou um hino com os adolescentes, com uma frase de mãe para filho: “do meu amor podes fugir, só não da minha oração”. Assim era sua vida prática, em constante oração. Posso dizer que o depósito de oração deixado por minha mãe, permanece até hoje. Deus abriu diversas portas para mim, pelas orações de minha mãe feitas desde minha infância. O tempo passa, mas a eternidade pertence a Deus. O Senhor nosso Deus tem esses pedidos diante dele no presente, pois o passado e o futuro estão diante dele.

Voltando para Goiás 

Estávamos no barco que fazia o percurso Manaus-Porto Velho, no final de janeiro de 2003, voltando definitivamente a Goiás. Observávamos as matas, às margens do Rio Madeira, e minha mãe falou: “meu filho, enquanto eu estava olhando para as matas, eu senti o Espírito Santo falar no meu coração: — você nunca mais vai passar por aqui.” Respondi: “Mãe, isso é ótimo. Significa que quando formos visitar nossos parentes no Amazonas, não vamos mais de barco. Vamos de avião”. Eu não sabia, mas Deus, conhecedor do futuro, estava revelando que Goiás, seria o último destino terreno de minha mãe. Há coisas que Deus fala, e nós entendemos na mesma hora, contudo, há coisas, que só entendemos com o passar do tempo.

O mensageiro 

Os anjos não são, todos eles, espíritos ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação? (Hebreus 1.14).

Maio de 2008. Minha mãe acordou cedo. Havia um anjo ao lado da cama, e olhando para ela, perguntou: está preparada? Ela respondeu: sim! E o anjo foi embora. Minha mãe se levantou e relatou o ocorrido.

Em poucos dias, minha mãe começou a sentir dores na região dos rins. Meu pai comprou um novo colchão, mas as dores persistiam. Minha mãe, pelo resultado dos exames, descobriu um tumor no rim direito, sendo internada para submeter-se a remoção cirúrgica.

A água deste mundo se acaba tão rápido! 

24 de dezembro de 2008. Minha mãe estava se recuperando da operação do tumor. Eu estava na casa da Pollyana (hoje minha esposa). Recebemos o Pr. Cláudio e a Pr ª Luciene. Quase na hora de ir embora, a pastora dirigiu-me a palavra: “você precisa casar-se, e Deus tem pressa em fazer isso, pois precisará de muito consolo, pelo que vai acontecer em sua casa”. Essas palavras me deixaram pesaroso, reflexivo, pois até então, eu não sabia qual seria o fim de toda aquela situação a qual minha mãe enfrentava. Ali Deus estava começando a me mostrar o que realmente aconteceria. Fui para casa. Dormi. Entre 5h e 6h tive um sonho: minha mãe estava no quintal, próxima à casinha de “leãozinho”, o nosso cãozinho. Ela segurava uma vasilha de alumínio na mão esquerda, e de cima, caía água na vasilha. O sol brilhava forte, assim não consegui ver de onde vinha a água. Só sei que vinha de cima, e o sol brilhava como se estivesse pertinho de minha mãe. Eu disse a ela: “mãe, o safado do Leão, já fugiu para o outro terreno!”. Minha mãe continuava olhando fixo para frente, sem dizer nenhuma palavra. Aproximando-me, de frente para ela, falei: “mãe, deixe eu ajudar a senhora segurar essa vasilha… e segurei de um lado, enquanto ela continuava segurando o outro. A água, parou de cair. Notei que, apesar de a água ser constante, e a vasilha, pequena, encheu somente até a metade. Minha mãe, ainda com o olhar firme, olhando para frente, falou: “a água deste mundo se acaba tão rápido, meu filho. Mas lá no céu as águas jorram para sempre. Você se lembra de João, que viu a nova Jerusalém, descendo do céu?”. Começamos a falar do céu, e lembramos de João, o discípulo amado, servo do Senhor Jesus Cristo, que escreveu as revelações de Deus, no livro de Apocalipse, aproximadamente em 90 d.C. com uma diferença: no sonho, não havia tempo e nem distância. Era como se o irmão João fosse nosso contemporâneo e nosso vizinho. Entre palavras e comentários que não me vem à memória, minha mãe disse: “o céu é maravilhoso…” começamos a cantar: 

“Oh que gozo e alegria, quando o povo ali chegar 

Em Jerusalém, em Jerusalém. 

Sempre ali cantando hosanas, pois o Rei no trono está. 

Na Jerusalém de Deus”. 

Acordei. O relógio marcava 05h45min. Era a manhã de 25 de dezembro de 2008. Chorei como criança. Levantei-me. O Joel, meu irmão, se levantou também. Entre muitas lágrimas, com a voz embargada, relatei-lhe o sonho. Esperamos mais um pouco e fomos à casa da tia Dalva, onde minha mãe estava. Falei para ela: “mãe, eu acho que Jesus vai curar a senhora, e depois de alguns anos, levar para o céu, porque eu tive um sonho…” e relatei o sonho com detalhes, já consolado por estar vendo-a. Meu desejo por sua recuperação era muito grande. Após o relato do sonho, a resposta firme de minha mãe foi: “eu estou preparada”.

Sensibilidade espiritual 

Quanto maior o sofrimento, maior ficava a sensibilidade espiritual de minha mãe. 

Certa vez, estávamos reunidos ao lado de sua cama cantando o hino n.º 526 da Harpa Cristã, Grandioso és tu. Ficou muito bonito o cântico, com a voz de tenor do meu pai. Minha mãe começou a chorar como criança. 

Minha mãe passou a ver coisas que não víamos. Pensaram que ela estava variando. Mas eu lhe disse: “não importa o que pensem da senhora, eu sei que isso não é loucura. É Deus quem está permitindo à senhora ver essas coisas”. Minha mãe respondeu: “eu sempre pedi que Deus me desse o dom de visões, e eu creio que agora recebi”. Continuei: eu já pedi a Deus em oração para ele mostrar visões do terceiro céu para a senhora, assim como ele mostrou para o apóstolo Paulo. Ele viu coisas tão maravilhosas que não era lícito descrever (lágrimas começaram a brotar em meus olhos).

Cantando apesar da dor

Em outra quinta-feira, 16 de abril de 2009, falei ao meu pai que fosse à igreja, pois eu iria ficar em casa, cuidando da minha mãe. 

Fiquei ao lado dela, lendo um livro e dando-lhe a atenção necessária. Aproximadamente às 20h30min, minha mãe começou a cantar o hino n.º139 da Harpa Cristã. Com um fio de vida e de voz, ela cantava devagar: “Já o Filho de Deus, é descido do céu… A obra perfeita na cruz consumou…” Parei de ler o livro e cantei com a minha mãe. Terminei a primeira estrofe e cantei o refrão. Calei-me. Ela disse: “tem mais, canta tudo”. Peguei a Harpa Cristã e concluí o hino. Resolvi tomar nota desse acontecido para servir de testemunho. Enquanto eu fazia as anotações, ela começou a cantar o hino n.º 304: “Desprezando toda a dor, eu vou a cantar…” continuei, lentamente, a cantar, para acompanhar minha mãe, e ela falou: “meu filho, canta mais rápido, do jeito que você sabe!” foi como se ela tivesse dito: “estou cantando devagar, devido à fraqueza, mas você está sadio. Pode cantar normal”. Aprendi a lição: cante rápido ou lento, mas cante com o fôlego que Deus te deu:

A face adorada, de Jesus verei 

Com a grei amada, no céu estarei. 

Na mansão dourada, hinos vou cantar 

A Jesus, minha luz, que me quis salvar. 

Faltando apenas dois dias… 

Quarta-feira, 22 de abril de 2009, fui ao hospital, para acompanhar minha mãe durante a noite, substituindo minha namorada Pollyana, que havia estado lá durante a tarde. O Joel estava comigo. Encontramos dois jovens da igreja: o Junio Rocha e o Lucas. Terminando a visita, deixando uma palavra de conforto para mim, foram-se. Fiquei com minha mãe. Olhando para ela, comecei a refletir sobre nossas vidas: eu não estava olhando simplesmente para minha mãe, e sim, para a missionária da minha vida, minha amiga, que sempre se preocupou comigo, que durante a minha infância, me pegou pela mão e me levou para o círculo de oração, para a escola dominical, para as visitas, para o colégio… 

Por volta das 19h40min, olhei para a minha mãe, e querendo confortá-la, disse: “Deus está aqui mãe! Jesus está aqui!” ela respondeu: “eu sei meu filho, eu estou glorificando ele em todo o tempo…” comecei a glorificar a Deus, e a voz de minha mãe se juntou à minha: “aleluia… aleluia… Glória a Deus” (em meio a agonia, o louvor a Deus). Minha mãe começou a louvar a Deus com um novo cântico, o qual nunca ouvi antes. Creio ser um louvor do céu. Assim foram as palavras: 

“Ele é fogo puro, ele é fogo puro 

Ele é fogo puro, ele é fogo puro

Fogo puro, 

Fogo puro, 

Deus é fogo puro”.

Eu estava com um caderno e anotei estas palavras. 

Através dessa experiência, Deus estava me fortificando, preenchendo, aumentando minha fé e esperança, pois eu estava carente, muito triste. Deus usou minha mãe, nos seus últimos momentos comigo, para me dar alento.

Fim da história na Terra…

24 de abril de 2009. Seis e trinta da manhã. Eu vinha de mais uma noite de trabalho. Há aproximadamente 500 metros da empresa em que trabalhava, próximo à fábrica de giz, o sonho de 25 de dezembro, voltou à minha mente, como um filme: “… a água deste mundo acaba tão rápido, meu filho. Mas lá no céu as águas jorram para sempre… [choro] você se lembra de João, que viu a nova Jerusalém, que descia do céu?… [lágrimas e soluços] o céu é maravilhoso!”. 

Eu não queria acreditar, mas Deus já estava revelando ter levado minha mãe. Nós, os seres humanos, somos frágeis, e nunca nos contentamos com uma revelação, uma ou duas vezes. Pedimos sempre confirmação. 

Chegando em casa, abri a porta e entrei, e meu pai disse: “Meu filho, Jesus já levou a sua mãe…” e me deu palavras de conforto que jamais me lembrarei, pois na primeira frase, já senti o choque, e então, não assimilei mais nenhuma palavra. Perdi o sono e andei sem rumo. O choque foi tão grande, que não chorei mais. Até brinquei, contei piadas. Dizia estar bem, mas não era nada disso, eu estava mesmo era em estado de choque.

Quatro meses após o sonho que Deus havia me dado, o pó voltou à terra, como era, e o espírito voltou a Deus que o deu (Eclesiastes 12.7). Eu não chorava. Estava reflexivo, observando o corpo de minha mãe como uma semente plantada na terra. Aquele mesmo corpo que foi semeado em fraqueza e sofrimento ressuscitará no último dia, incorruptível, transformado (1 Coríntios 15.42-55). 

Disse Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá (João 11.25,26).


 

Conclusão

O que sinto hoje é gratidão a Deus, por ter-me presenteado por vinte e quatro anos com uma mãe maravilhosa. Essa gratidão me dá motivação para usufruir a vida abundante em Cristo, que reflete em minha família. Repetindo o que escrevi no início: não sei como descrever minha mãe. Letras não expressam emoções. Mas foi uma tentativa. Se puder resumir em uma frase, direi: mãe é uma bênção e um anjo!

“A água deste mundo acaba tão rápido, meu filho. Mas lá no céu, as águas jorram para sempre”. Irmã Irene.

Referências

Bíblia Online. Salmos 1.1-3

CPAD. Harpa Cristã. N.º 094, 139, 247, 304.

 

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